sexta-feira, 27 de abril de 2012

A escolha sustentável pela preservação do afeto - Verônica Cobas.

Conto aqui para vocês: pertenço à tribo dos que veneram os dicionários. Vira e mexe estou buscando novas expressões, sinônimos, palavras correlatas. Tantas outras vezes estou apenas buscando reduzir a minha completa ignorância sobre outros verbetes, muitos dos quais nunca ouvi falar. Amo as palavras, sobrevivo delas, e tenho um certo prazer em observar novas expressões, os neologismos de hoje, que ganham através dos tempos um destaque que nunca tiveram.


Eu, por exemplo, curto coisas, pessoas, objetos e prazeres faz muitos anos. Mas através das sábias e rentáveis mãos de Mark Zuckerberg, mago criador do Facebook, o verbo curtir ganhou uma dimensão estratosférica. Lembro da ingenuidade com que usávamos, lá para trás, a expressão “tremenda curtição”. Ôps..”tremenda” é uma palavra que o modismo precisa trazer de volta. É bem melhor, por exemplo, do que aquelas com as quais tivemos que conviver nos últimos anos, como “a nível de” – finalmente já em desuso -, o “com certeza”, que continua fazendo força para substituir o “sim”, e as grandes estrelas do momento: o “agregar valor” e a “sustentabilidade”.

Embora de importância vital à sobrevivência com qualidade das gerações futuras, a discussão sobre a construção de um mundo ambientalmente responsável tem sido fonte generosa de novas ou de revividas expressões de dicionário. E sim, eu confesso: sustentabilidade é uma palavra que me seduz. E sou vítima do modismo também porque antes ignorava a coitada, que já morava despercebida em meu dicionário à espera de um gesto que a trouxesse para o mundo das palavras que usamos, que fazemos virar, mais que expressões, verdadeiros ícones. Já reparou como falar em sustentabilidade nos faz parecer modernos, simpáticos, até politicamente corretos.

Mas difícil mesmo é ser sustentável na vida. Às vésperas da Conferência Mundial do Meio Ambiente, a Rio+20, só temos lido ou ouvido falar sobre a importância da adoção de uma nova forma de relação com o meio ambiente, através da escolha por práticas ou hábitos que promovam uma produção sustentável de alimentos, da manutenção da qualidade do ar que respiramos, da preservação da água da qual necessitamos para viver, da escolha por produtos que não degradem a natureza e permitam a continuidade da espécie.

Fico sentindo falta de uma discussão, quem sabe uma conferência mundial, sobre o quanto não somos estimulados a compreender a importância da sustentabilidade das relações humanas. Estamos cada vez mais individualistas, verdadeiros reis da ilha, cercados – quando muito – daquele pequeno círculo, quase sempre familiar, que acreditamos ser fundamental manter, sustentar, mas a quem também, não raramente, podemos espezinhar porque não vamos correr o risco de perder. Afinal, família é família.

A gente sabe que não é bem assim. Que mesmo entre pais e filhos, marido e mulher, irmãos e irmãs, ou entre melhores amigos, as relações se perdem e jamais se reconstroem porque, tantas vezes, não somos capazes de rever escolhas, de repensar os comportamentos que retiram de nós o poder de construir relações sustentáveis, preservadas na água boa e morna do afeto que não julga, mas compreende; que não cobra, mas alerta; que não agride, mas argumenta. Através da vida, quantas pessoas saíram de sua vida porque você mesmo não foi capaz de escolher um caminho sustentável para mantê-las por perto? Certamente, muitas vezes não foi escolha sua, mas ainda assim quantas vezes você optou por não se esforçar, quantas vezes adotou a posição cômoda do “deixa pra lá; vão uns, vêm outros”.

Se precisamos discutir e trazer para o nosso cotidiano escolhas, práticas e palavras que, saídas do dicionário, ganham um ar de modismo – ou tendência, como usamos hoje – que a elas seja ofertado também o olhar das relações humanas. Preservar o meio ambiente e permitir a vida das gerações futuras é optar por um escolha sustentável. E é também uma opção pelo afeto, pela preservação e presença perto da gente das pessoas que queremos bem, que queremos conservar em nossas vidas, que queremos tornar presentes na sustentabilidade de nossos dias.

É isso! Que sustentáveis sejamos uns com os outros. Que o bom futuro nos seja pródigo.

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